Inspirações

Euclides da Cunha

Euclides da Cunha, sociólogo, engenheiro e escritor dos mais sérios e profundos que o Brasil já teve, foi também um viajante, quase um andarilho, que viveu e compreendeu de maneira intensa o Brasil sofrido do interior.

Esse destino parecia já traçado desde a infância. Nasceu, dia 20 de janeiro de 1866, em Cantagalo, então província do Rio de Janeiro, onde viveu só até os três anos. Com essa idade, perdeu a mãe, e daí para frente, até os vinte anos, morou sucessivamente em casa de diversos parentes, no Rio, em São Paulo e na Bahia.

Seus primeiros estudos foram, por isso, feitos em várias escolas, só vindo a se fixar em 1889, na Escola Militar da Praia Vermelha. Mas não por muito tempo; foi expulso dois anos depois, por um ato de protesto que praticou durante uma visita do então ministro da Guerra, conselheiro Tomás Coelho, do último gabinete conservador da monarquia. Euclides tinha combinado com outros cadetes desacatar publicamente o ministro, numa demonstração de caráter republicano. Na hora combinada, os outros se intimidaram, apresentando armas normalmente. Euclides, então sozinho, abandonou as fileiras e, depois de tentar inutilmente quebrar sua espada no joelho, jogou-a aos pés do ministro. O fato foi considerado um escândalo pela imprensa, que quis inclusive atribuí-lo a distúrbios nervosos do estudante. Euclides, porém, nunca escondeu seu republicanismo.

Durante o tempo em que ficou fora da escola, começou a estudar engenharia, retornando em 1889, depois da proclamação da República. Foi logo promovido a tenente e, como tal, casou-se com a filha do general Solon Ribeiro, oficial republicano.

Antes de concluir o curso na Escola de Guerra, em 1891, já costumava escrever, inclusive poemas, menos bons que sua prosa. Normalmente colaborava com alguns jornais (“Gazeta de Notícias”, “A Província de São Paulo”, depois “O Estado de S. Paulo”). Desligou-se do exército em 1896 para dedicar-se à engenharia civil, mas continuava escrevendo seus artigos. No ano seguinte, começou seu interesse pela campanha de Canudos, sobre a qual escreveu dois artigos para “O Estado de S. Paulo”, intitulados “A nossa vendéia”. Neles, já situava comparativamente o espírito político do sertão baiano e as condições geográficas da região em que se desenvolvia a campanha encabeçada por Antônio Conselheiro.

Depois desses artigos, recebeu do jornal o convite para ser correspondente no local. Partiu então para o sertão e lá permaneceu de 7 de agosto a 1º de outubro. Essas reportagens já foram duas vezes editadas em forma de livro, o primeiro em 1939, “Canudos, diário de uma expedição”, e o segundo em 1967, “Canudos e inéditos”.

Mas sua grande obra, “Os sertões”, só saiu cinco anos depois de seu regresso de Canudos, em dezembro de 1902. O livro deixou o país estarrecido. De um momento para o outro tomava-se conhecimento de que a luta de Canudos, considerada uma batalha heroica para a salvação da República, estava sendo denunciada como um crime. E, principalmente, trazia à tona a realidade praticamente desconhecida do interior do Brasil, como retrato monumental e documento de valor científico reconhecido. E, além disso, era uma obra-prima literária.

O livro foi escrito enquanto Euclides construía uma ponte, em São José do Rio Pardo. Durante três anos, morou numa cabana de zinco, na beira do rio. Essa cabana ainda existe, transformada em atração para os visitantes.

A primeira edição de “Os sertões” foi publicada pela Livraria Laemmert, do Rio. Euclides corrigiu todos os exemplares a ponta de canivete e bico-de-pena, tanto o desesperaram os erros tipográficos. A segunda edição saiu em julho de 1903, sendo Euclides eleito para a Academia Brasileira de Letras. Na mesma época, tomou posse no Instituto Histórico e Geográfico. No ano seguinte, foi nomeado chefe da comissão de conhecimento do Alto Purus, e fez então mais uma viagem à Amazônia, retornando em 1905 ao Rio, onde trabalhou algum tempo com o barão do Rio Branco, no Itamarati.

Em 1907, mais dois livros foram publicados, “contrastes e confrontos” e “Peru versus Bolívia”, e em 1909, por insistência de amigos, prestou exame para a cátedra de lógica no Colégio Pedro II. Foi nomeado contra a vontade, apesar de ter tirado o segundo lugar, por força da interferência do barão do Rio Branco, Coelho Neto e outros amigos. Surgiram então comentários desfavoráveis, que o encheram de amargura. Não era feliz, apesar da glória que o cercava. Por essa época, começara a sofrer de tuberculose, ao mesmo tempo em que se via abandonado pela mulher. Deu apenas dez aulas no Pedro II. No dia 15 de agosto de 1909, morreu assassinado por um jovem tenente, novo companheiro de sua mulher, ao enfrenta-lo a tiros, no bairro da Piedade.


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